É imprescindível, a qualquer profissional ligado à área médica, ter em mente que a finalidade mais importante e inegociável de seu trabalho é a saúde dos pacientes. Assim, zelar pela competência médica, ao longo dos anos, é responsabilidade de todo o sistema: dos próprios profissionais médicos e dos gestores da área da saúde.
A medicina é uma profissão que nos permite certa longevidade, mas o tempo, assim como é aliado, ao nos trazer experiência, também joga contra; afinal, existe uma natural perda de capacidade motora em virtude do envelhecimento e todos nós, sem exceção, envelheceremos.
Contudo, existem maneiras de o profissional médico prolongar sua atuação, potencializando toda a experiências que os anos e anos de trabalho lhe conferem. É fundamental, entretanto, que esse esforço pela longevidade médica comece desde cedo. É necessário se preparar para isso.
Em dezembro de 2019, a JAMA Network Open, revista mensal da American Medical Association (AMA) publicou um interessante artigo intitulado “A responsabilidade dos médicos em manter a competência”, de autoria dos doutores Sally A. Santen, Robin R. Hemphill e Martin Pusic.
“A literatura sobre envelhecimento e seus efeitos no desempenho profissional mistura-se à evidência de declínio cognitivo e físico de habilidades em alguns indivíduos”, escrevem os autores, que elencam cinco proposições que, segundo eles (e eu concordo inteiramente), podem ser úteis para lidar com o que chamam de “declínio das competências”.
“Há também evidências de que a competência em medicina pode ser mantida com sucesso por meio de prática deliberada intencional e aprendizado de domínio com treinamento em simulação procedimental.” Ou seja, Santen, Hemphill e Pusic defendem, com suas proposições, a possibilidade de prolongar a vida útil e altamente eficiente dos médicos.
As cinco competências
Mas, afinal, quais são as proposições. A primeira delas e talvez a mais polêmica trata da importância de os profissionais serem, periodicamente, submetidos a mecanismos de avaliação para a manutenção da certificação médica.
“Embora alguns aspectos da manutenção da certificação sejam impopulares e talvez implementados de maneira ineficaz, o princípio subjacente é sólido e reflete a importância de manter o conhecimento e a competência… Os médicos devem atualizar-se continuamente.”
A segunda proposição pode ser sintetizada na palavra: treinamento. “Apesar de alguns procedimentos serem rotineiros, existem procedimentos incomuns e complicados ou novas técnicas para procedimentos que requerem treinamento adicional, sobretudo em especialidades procedimentais, como campos cirúrgicos, medicina de emergência e cuidados intensivos.”
Adaptar a atuação médica às naturais limitações que o tempo impõem constitui a terceira proposição e é outra forma de estender a atuação do profissional. Esse olhar é fundamental aos gestores dos sistemas de saúde. Nesse ponto, os autores destacam o que chamam de “maximização da competência coletiva”.
“Os médicos podem [ou deveriam poder] escolher práticas que envolvam menos exposição a procedimentos ou conteúdos para os quais eles acreditam não ser mais especialistas, como em áreas de baixa acuidade com cobertura paralela de uma equipe de procedimentos.”
A quarta ponderação se refere à capacidade de autoavaliação do profissional médico. Contudo, esse processo não pode ser apenas de caráter subjetivo, por razões óbvias: não é fácil para ninguém reconhecer que não está mais apto a fazer algo que deseja fazer.
“Por isso, é fundamental que os médicos busquem intencionalmente dados de avaliação por meio de métricas externas, como número de complicações do paciente, morbidade do paciente ou feedback de colegas sobre sua prática.”
Por fim, mas não menos importante, a quinta proposição prevê a necessidade de acompanhamento dos profissionais médicos por parte dos sistemas de saúde, seja para ajudá-los a seguir aprimorando suas competências ou para adaptar sua atuação a áreas específicas em que suas habilidades estejam preservadas, delegando a outros profissionais procedimentos que eles já não cumprem tão bem.
“Depois que um problema se torna aparente, o médico e o sistema de saúde têm uma responsabilidade conjunta de garantir que o profissional possa demonstrar a competência necessária para habilidades práticas ou procedimentos, treinar as habilidades necessárias ou retirar esse procedimento de sua prática.”
Em síntese, é imprescindível, a qualquer profissional ligado à área da saúde, ter em mente que a finalidade mais importante e inegociável de seu trabalho é a saúde dos pacientes. Desta forma, tanto os gestores quanto os médicos precisam zelar pelo melhor atendimento sempre, nem que isso exija, em algum momento, uma espécie de autosacrifício profissional.
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