A artroscopia é uma das técnicas de diagnóstico e tratamento cirúrgico mais seguras que existem na ortopedia. O fato de haver complicações associadas à artroscopia de modo algum deve ser entendido, instantaneamente, como resultado de falha médica. Há alguns fatores que podem resultar em complicações cirúrgicas e a maioria não está “nas mãos” dos médicos
O caso de Rodrigo Caio, zagueiro do Flamengo que passou por uma artroscopia no fim do ano passado e que agora está tendo de lidar com algumas complicações, tem ganhado destaque na imprensa e os comentários nem sempre trazem o cunho educativo e esclarecedor que seria desejável. Li artigos que atribuem as complicações no caso do jogador a erros médicos, mas não é bem assim. É preciso que fique claro: complicações podem acontecer independentemente de erros médicos e, quando acontecem, o que não é tão frequente no caso de artroscopias, muitas vezes nada têm a ver com erros médicos.
A ideia deste artigo, porém, não é tratar do caso Rodrigo Caio detidamente, mas aproveitar a oportunidade para fazer alguns esclarecimentos sobre artroscopias e complicações cirúrgicas ou pós-cirúrgicas, até para ajudar os meus leitores a, de alguma maneira, serem capazes de discernir informações dadas sem a devida consideração e informações frutos de uma boa apuração. Antes de qualquer coisa, vale explicar que a artroscopia é considerada padrão-ouro, ou seja, é o que há de melhor em termos de técnica de diagnóstico e de tratamento ortopédico também.
A artroscopia surgiu há algumas décadas e se desenvolve ano a ano, melhorando e se tornando mais eficiente, sobretudo, para o tratamento de lesões condrais (de cartilagem), meniscos e ligamentares. Em resumo, não se deve ter medo de artroscopia, trata-se de um procedimento com altíssimo nível de segurança e que, desde o seu surgimento, melhorou demais não só eficiência e a eficácia dos tratamentos e diagnósticos, como também a segurança nos procedimentos cirúrgico, sobretudo quando comparada com as técnicas que tínhamos antes.
Em outras palavras, é possível dizer que as complicações infecciosas nesse tipo de cirurgia são a minoria dos casos: estudos mais recentes apontam que elas correspondem a 1% das cirurgias realizadas. Quando acontecem, são urgência ortopédica: é preciso estabelecer o diagnóstico e o tratamento o mais rapidamente possível para evitar prejuízos clínicos ao paciente e à sua articulação.
Tipos mais comuns e fatores de risco
As infecções após artroscopias representam 40% das reinternações associadas ao uso da técnica. Vale explicar que o quadro clínico da infecção, algumas vezes, é difícil de identificar e diagnosticar. A infecção pode se confundir, por exemplo, com uma dor pós-operatória comum, com dificuldade na mobilização da articulação operada e com a vermelhidão no local, inchaço, calor e mal-estar, todas características igualmente comuns em pós-cirúrgicos sem complicações.
Os fatores de risco para as infecções podem estar associados ao paciente ou ao procedimento em si. Em relação ao doente, pode-se destacar obesidade, tabagismo, diabetes e um histórico de cirurgia na articulação. Com relação ao procedimento, a maior complexidade da cirurgia — caso das reconstruções ligamentares — figura como o principal fator de risco. Vale dizer também que a aplicação de corticóide pouco antes ou durante o procedimento aumentam as chances de artrite séptica, um tipo de infecção na articulação.
A artrite séptica é causada pela bactéria Staphylococcus Aureus, na maioria dos casos. Nem sempre, ao descobrir o que se passa com o paciente no caso de tal complicação, o médico e sua equipe conseguem, por meio de exames diagnósticos, isolar a bactéria. A artrite séptica pode ser diagnosticada por exames laboratoriais e pela análise do líquido sinovial — existente nas cavidades articulares. Também se analisa culturas para diagnosticar a infecção.
Sempre ao lado do paciente
Em um artigo escrito pelo Dr. Christopher Harner, com seus colaboradores, em 2014, na American Journal Sports Medicine, intitulado “Complicações após a artroscopia na cirurgia do joelho”, ele constata que 4,6% dos quase 100 mil doentes estudados tiveram complicações. Os casos estudados ocorreram entre 2003 e 2004. A maioria das infecções estavam associadas a cirurgias de reconstrução ligamentar. A conclusão do estudo foi a de que os pacientes precisam estar cientes dos riscos associados à artroscopia do joelho.
Em resumo, queria deixar a mensagem de que, embora sejam incomuns, as complicações em procedimentos artroscópicos podem acontecer e raramente se devem à negligência, imperícia ou imprudência do médico. Por isso, os médicos não podem ser cobrados por uma infecção artroscópica de forma leviana; é necessário ter propriedade para fazer uma afirmação dessas.
A responsabilidade do médico é sempre estar ao lado do doente, pronto a cuidar dele em quaisquer circunstâncias, o que também vale, de forma ainda mais evidente, nos casos de complicações. Se o médico operou o doente e houve uma complicação, ele precisa tomar imediatamente todas as providências para fazer o melhor e mais preciso diagnóstico.
Provavelmente, terá de ser feita uma nova cirurgia, um belo desbridamento articular (limpeza) e o doente, possivelmente, terá de tomar antibiótico por via endovenosa por um período que será determinado, conjuntamente, entre o ortopedista e o médico infectologista.
Já tive de lidar com casos assim, com pacientes meus e de outros médicos, e não é uma situação desejável, evidentemente. Os médicos fazem o máximo para que isso não aconteça. Contudo, se acontece, a maioria costuma tomar as providências necessárias para remediar e garantir a melhor recuperação possível ao paciente.
A boa notícia é que os doentes costumam evoluir bem quando falamos em artrite séptica após artroscopia do joelho. Boa sorte, Rodrigo Caio!
Muito esclarecedor Dr. Rodrigo!
Bem esclarecedor. Médico deve fazer o melhor para buscar o tratamento e estar ao lado do paciente em intercorrências.
O paciente tem que ser bem orientado e também seguir as recomendações médicas.