A reconstrução do ligamento cruzado posterior conta com técnicas cirúrgicas eficientes. Entre elas, a desenvolvida no Brasil, pela escola de ortopedia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), tem ganhado destaque em pesquisas nacionais e internacionais e apresenta ótimos resultados. Neste artigo, mostro como funcionam.
Dos tratamentos cirúrgicos para lesões ligamentares de joelho, a reconstrução do ligamento cruzado posterior (LCP) talvez seja a mais complexa. Associada a traumas fortíssimos, decorrentes de acidentes de trânsito e práticas esportivas que envolvam fortes impactos e torções, como futebol americano, rugby e mesmo algumas artes marciais, caso do judô, a reconstrução do LCP é bastante desafiadora para o médico, mesmo os especialistas e mais treinados, por vários fatores.
O primeiro deles é a frequência: a lesão do ligamento cruzado posterior acontece bem menos vezes do que a do ligamento cruzado anterior (LCA), por exemplo. O segundo fator desafiador é que a lesão do LCP costuma trazer, consigo, o risco de lesões neurovasculares, tanto durante o trauma causador da lesão, quanto no procedimento cirúrgico, com consequências ainda mais graves, como a lesão da artéria poplítea ou de outros nervos que ficam no feixe vasculonervoso do joelho (a parte detrás).
A esses fatores, soma-se ainda o fato de não haver uma técnica consagrada para a reconstrução do LCP.
As duas técnicas mais usadas são chamadas de transtibial e inlay. Porém, são várias as controvérsias entre as duas na literatura médica, desde a inserção e a fixação tibial, passando pela quantidade de feixes ou bandas que se deve fazer, pelo túnel femural e pela escolha do enxerto. No entanto, sem dúvida, a grande discussão é sobre a inserção tibial, principal ponto de diferenciação entre as técnicas.
As duas técnicas mais usadas no ligamento cruzado posterior
O fato é que, embora bem diferentes, as técnicas transtibial e inlay se equivalem quando se compara todas as vantagens e desvantagens em relação aos resultados clínicos dos pacientes operados com o uso de cada uma delas.
A transtibial é uma técnica artroscópica em que se confecciona um túnel na tíbia pelo qual o enxerto, que fará as vezes do LCP, precisa passar. Na saída do túnel da tíbia, o enxerto faz uma curva [conhecida como killer turn] e, nesse ponto, pode sofrer o atrito do osso. Trabalhos biomecânicos não tão recentes mostram que esse atrito, após testes cíclicos, provoca um afrouxamento e até uma lesão no enxerto, o que pode falir toda a reconstrução do LCP.
Como alternativa a esse problema, desenvolveu-se a técnica inlay, em que o enxerto é embutido na face posterior da tíbia, com a ajuda de um parafuso, evitando a curva aguda e, às vezes, lesiva da técnica transtibial. Como, na técnica inlay, o enxerto vai na parte posterior, não há atrito nem risco de a reconstrução ser comprometida posteriormente.
Porém, sua dificuldade está na necessidade de expor a face posterior da tíbia para realizar o procedimento. Deve-se criar um acesso a ela e essa ação traz o risco de uma iatrogenia [lesão causada pelo próprio médico]. O procedimento exige, também, que viremos o paciente durante a cirurgia e façamos uma artrotomia: corte da cápsula posterior do joelho, a parte detrás dele.
O fato é que, embora bem diferentes, as técnicas transtibial e inlay se equivalem quando se compara todas as vantagens e desvantagens em relação aos resultados clínicos dos pacientes operados com o uso de cada uma delas.
A técnica que mais uso
Ao longo dos anos e mesmo durante o período do meu doutorado, tive a oportunidade de aprender, com um dos meus grandes mestres na medicina-ortopédica, professor Cléber Paccola, uma técnica cirúrgica de reconstrução do LCP criada por ele, chamada onlay.
Em meu doutorado, feito uma parte na USP de Ribeirão Preto e outra na Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos (EUA), tratei de um dos aspectos da reconstrução do LCP, por meio do uso da técnica transtibial. Minha tese consistiu em estabelecer o local ideal para se fazer o túnel tibial.
A ideia foi identificar o melhor ponto para fazer o túnel de modo a evitar o atrito do enxerto na curvatura crítica e posicioná-lo no ponto ideal. Fiz isso por meio do método da fluoroscopia intraopertória, usando um sistema de alta tecnologia com rastreamento óptico e navegação. O trabalho logrou êxito, tanto que tive o privilégio e a honra de publicar um artigo científico, sobre meu doutorado, na principal revista de ortopedia do mundo: a American Journal Sports Medicine.
Porém, ao longo dos anos e mesmo durante o período do meu doutorado, tive a oportunidade de aprender, com um dos meus grandes mestres na medicina-ortopédica, professor Cléber Paccola, uma técnica cirúrgica de reconstrução do LCP criada por ele, chamada onlay. Apesar do nome, a técnica é made in Brasil, mais precisamente de Ribeirão Preto, e, a meu ver e com base nos estudos que fizemos, agrega as qualidades da transtibial e inlay e minimiza suas fragilidades.
Entenda a técnica onlay, criada pelo professor Cleber Paccola
O detalhe da onlay está no ponto de acesso: a incisão é feita pelo acesso posteromedial, o que confere ao procedimento caráter menos invasivo, como na técnica transtibial, e, ao mesmo tempo, permite que se fixe o enxerto na parte posterior da tíbia, como na técnica inlay.
Professor Paccola foi um homem genial e um excelente cirurgião. Criou, há mais de 20 anos, a técnica onlay. Após sua morte, eu tive a honra e o prazer de descrevê-la, em parceria com Dr. Fabrício Fagagnolo e Dr. Mauricio Kfuri. A descrição foi publicado, em 2014, na The Knee Sugery, uma revista também norte-americana. No texto, fiz questão de lhe agradecer e lhe atribuir todo o mérito pela criação da técnica, que não traz o risco de atrito ao enxerto, porque não se usa o mesmo túnel curvo que na transtibial, nem é preciso virar o paciente durante a cirurgia, tampouco fazer incisões no delicado feixe vasconervoso, como na inlay.
Em síntese, é uma técnica tão eficiente quanto as demais, mas com bem menos riscos cirúrgicos. O detalhe está no ponto de acesso: a incisão é feita pelo acesso posteromedial, o que confere ao procedimento caráter menos invasivo, como na técnica transtibial, e, ao mesmo tempo, permite que se fixe o enxerto na parte posterior da tíbia, como na técnica inlay, mas sem precisar cortar a cápsula posterior do joelho nem mesmo virar o paciente.
Recentemente, tive a oportunidade de escrever, para a mesma The Knee Sugery, os resultados dos nossos pacientes operados, com a técnica, em 2017, e mostrar como a onlay funciona bem. Ainda nessa linha de pesquisa, o professor Kfuri fez, em parceria com a Universidade do Missouri nos EUA, uma avaliação biomecânica da nossa técnica, comparando-a com outras quatro, o que mostra o interesse de outras escolas na onlay.
Parabéns Dr.Salim.
Continue estudando e ensinando o melhor para os pacientes.