De 800 a.c. para os nossos dias, muitas águas e descobertas rolaram e o que os deuses mostravam empírica e intuitivamente, a ciência comprovaria teórica e laboratorialmente a partir dos recursos técnicos da moderna Medicina
É impossível precisar quando o esporte começou a ser praticado pelos homens com o propósito de ganhar saúde. Mas arqueólogos e historiadores nos dão algumas valiosas referências, e a mais importante delas, ao menos em termos de civilizações ocidentais, leva-nos aos Jogos Olímpicos da Antiguidade. O nome do evento vem de Olímpia, cidade da Grécia Antiga, onde os jogos eram realizados, que ficava aos pés do Monte Olimpo, cujo topo era a morada dos deuses gregos.
É dessa época, por volta de 800 a.c., que vêm os primeiros registros que ligam a prática esportiva à saúde. Na visão do povo grego antigo, a saúde, assim como outros atributos humanos, eram frutos dos deuses e, dessa forma, a prática esportiva estava cheia de significado religioso. Tanto é que o vencedor dos jogos, na época, recebia como prêmio o direito de acender a tocha a Zeus, o mais poderoso dos deuses do panteão grego.
Essa conexão que faço entre saúde, esporte e mitologia não é sem propósito. Com este texto, em dezembro de 2020, inaugurei a minha participação como colunista da InfoHealth, um espaço digital de compartilhamento de conteúdos médicos mantido pela Hygia, empresa cujo nome é uma homenagem à deusa grega da saúde, filha de Esculápio, o deus da Medicina. A palavra higiene, por exemplo, tem raiz no nome e na representação simbólica da deusa, associada à prevenção de doenças. Aliás, entre os romanos, a deusa correspondente a Hígia era chamada de Salus, e é daí que vem a palavra saúde.
Pensando mais em Hígia do que em Esculápio — o arquétipo do curador na mitologia grega —, ou seja, pensando mais na prevenção do que no remédio, busco, nesta coluna, falar sobre como o esporte continua, mesmo em nossos dias, sendo uma forma de “louvor” à saúde.
A ciência “comprova” os deuses
De 800 a.c. para os nossos dias, muitas águas e descobertas rolaram e o que os deuses mostravam empírica e intuitivamente, a ciência comprovaria teórica e laboratorialmente a partir dos recursos técnicos da moderna Medicina.
Por isso, já no século 19, médicos franceses podiam, com solidez científica, recomendar o esporte em tratamentos e reabilitações de patologias cardiovasculares. Nas décadas de 1970 e 1980, o esporte era associado à melhora da condição física para a realização de outras práticas esportivas — por exemplo, quem jogava bola, procurava correr para melhorar seu desempenho. Na década seguinte, o esporte transcende essa ideia e vira sinônimo de qualidade de vida e saúde, sendo usado, inclusive, como uma das ações preventivas e no tratamento de patologias como hipercolesterolemia, diabetes, depressão e ansiedade.
É justamente a partir daí que a medicina esportiva ganha popularidade e extrapola os círculos de atletas de alto rendimento. Como resultado do aumento expressivo da procura por profissionais especializados, oportunidades de negócios, como cursos de formação e clínicas especializadas, começaram a surgir cada vez em maior número, ampliando a oferta de serviços médicos associados ao esporte em diferentes áreas da Medicina, como cardiologia e ortopedia.
Atualmente, um médico do esporte pode e deve ser visto como um gestor de saúde, atendendo diversos públicos, desde atletas de alto rendimento, passando por esportistas amadores, pessoas que buscam melhorar sua qualidade de vida, até aqueles que precisam tratar patologias crônicas. A diversidade de público torna essencial uma formação que envolva inúmeros conhecimentos. Além de ortopedia e cardiologia, pode-se destacar o conhecimento em medicina da família, ciência do exercício, fisiologia, nutrologia, ginecologia, pediatria, medicina de urgência e muito mais.
Conhecimento gera conhecimento
Com mais profissionais especializados, o conhecimento acerca da relevância do esporte para a saúde segue aumentando e provando o que os deuses sabiam desde sempre. Estudo realizado por médicos da Universidade de Pittsburgh (Pitt.) em 2019 revelam, por exemplo, que a atividade física moderada melhora a cognição, o desempenho acadêmico e pode ajudar a prevenir demências em diferentes idades, sobretudo na velhice.
Em novembro de 2018, pesquisadores de nove países se reuniram na Dinamarca e chegaram a um Consenso, baseados em evidências científicas, de que certos tipos de atividades físicas produzem efeitos positivos na saúde da população idosa em geral, considerando, nessa análise, toda a heterogeneidade desse público, que abarca pessoas ativas e praticantes de esportes e outras fisicamente mais debilitadas, com patologias como Alzheimer e Mal de Parkinson.
Outro estudo de Pitt. também revela que crianças com obesidade têm mais chances de desenvolver pé chato, deficiência de ferro, de vitamina D e hipercolesterolemia. Por isso, recomenda-se o tratamento da obesidade infantil, que envolve, além de um ajuste na dieta das crianças, a prática de esportes.
Entre os adultos de todas as idades, a hipertensão é uma das patologias cardiovasculares mais comuns em todo o mundo. Na Austrália, por exemplo, pesquisas dão conta de que um terço da população com mais de 18 anos tem hipertensão arterial. Evidências científicas recentes mostram que o esporte é uma atividade adjuvante eficaz no controle da hipertensão. O tratamento da doença envolve mudança de hábitos, o que pressupõe, como pedra fundamental do tratamento, a prática de exercícios aeróbicos de forma regular.
O físico Albert Einstein disse que quando abrimos nossa consciência para um novo conhecimento não é mais possível fechá-la. Se é mesmo dessa maneira, a consciência do valor do esporte para a saúde do homem surge há aproximadamente 3 mil anos, com os gregos. Assim, nossa responsabilidade, como homens de nosso tempo, é milenar e divina, e a chama do conhecimento que carregamos está acesa para iluminar algo tão sagrado quanto os deuses do Olimpo: a saúde de todos nós.
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