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O valor da pesquisa clínica na teoria e na prática

Foi na FMRP-USP que aprendi o valor da pesquisa clínica e acadêmica criteriosa. No meu fellow em Pittsburgh, tive certeza de que desejava seguir também pelo campo da pesquisa clínica e da produção de conhecimento acadêmico científico

A formação de um médico ou de um profissional de saúde se baseia no arquétipo do eterno aprendiz: não é só na faculdade que temos de estudar, mas pelos restos de nossas vidas, até porque só assim somos capazes de garantir o melhor aos nossos pacientes sempre.

Não posso dizer por outras especialidades, mas asseguro que na Ortopedia temos a clara consciência de que ninguém é um bom profissional, mas está um bom ou ótimo profissional. Por isso, para quem não abre mão de ser um grande profissional por toda a carreira, a atualização permanente é indispensável.

Pessoalmente, considero que não estou nem na metade de minha carreira como cirurgião de joelho. Tenho muito a evoluir. Não faço, hoje, a mesma reconstrução de ligamento cruzado anterior (LCA) que fazia assim que saí da faculdade. Tampouco trato um menisco, de forma cirúrgica ou conservadora, como tratava logo depois que concluí a residência médica.

Isso vale para muitos outros fatores de um tratamento, como orientações pré-cirúrgicas, pós-cirúrgicas e no próprio procedimento cirúrgico. A Ortopedia é muito dinâmica.

Critérios de avaliação e a abundância de conteúdos

Contudo, para estar atualizado e ser, de fato, um eterno aprendiz não basta estudar de qualquer forma: é preciso escolher as fontes apropriadas de estudo. Nesse sentido, a literatura científica, obviamente, é indispensável. A prática leva à excelência. Ler sobre ciência não é fácil, exige prática e é por meio dela que se depura a capacidade de compreensão do conteúdo e de diferenciação entre bons e maus artigos.

A publicação de artigos sobre pesquisas clínicas nas revistas mais importantes geralmente é privilégio dos estudos mais bem avaliados. Por isso, quando nos deparamos com dois estudos que tratam do mesmo tema, mas divergem, vale saber qual deles está mais bem ranqueado.
A publicação de artigos sobre pesquisas clínicas nas revistas mais importantes geralmente é privilégio dos estudos mais bem avaliados. Por isso, quando nos deparamos com dois estudos que tratam do mesmo tema, mas divergem, vale saber qual deles está mais bem ranqueado.

Tomei contato com textos científicos durante a faculdade e me lembro da complexidade dos conteúdos que aprendíamos nas aulas de introdução à Cardiologia. Orientado por professores competentíssimos, compreendi o quão importante era escolher as melhores publicações científicas e os estudos mais bem ranqueados.

Vale explicar que o universo científico zela pela avaliação — o mais palpável possível — dos estudos e busca ranqueá-los de acordo com o valor científico que têm. A publicação nas revistas mais importantes geralmente é privilégio dos estudos mais bem avaliados. Por isso, quando nos deparamos com dois estudos que tratam do mesmo tema, mas divergem, vale saber qual deles está mais bem ranqueado.

Essa curadoria se torna ainda mais relevante hoje em dia, quando a oferta de informação supera o que tínhamos em qualquer outra época. Não entro aqui no mérito se é bom ou ruim. Na realidade, parece-me bom, porque nos permite acessar e debater publicamente assuntos dos quais sequer tínhamos conhecimento antes, mas, todavia, exige mais atenção e questionamento sobre o valor das informações que nos chegam, pois estamos muito mais suscetíveis a equívocos. Nesse sentido, então, é ruim. Por isso, um olho treinado faz a diferença e é a melhor forma de separar o joio do trigo.

Infelizmente, há muitos casos de trabalhos científicos que são resultado de plágio ou fraude. O profissional afinado com a ciência, com a prática da leitura de artigos acadêmicos e conhecedor das revistas científicas mais respeitadas será menos vulnerável a conteúdos “corrompidos”. Há quem diga que 60% dos artigos científicos disponíveis na internet são resultado de alguma espécie de fraude. Soma-se a esse grupo o que se conhece no meio científico como revistas predatórias, aquelas que vendem espaço para a publicação de artigos acadêmicos sem a devida revisão técnica.

O lastro dos mestres

Como disse, aprendi tudo isso na faculdade, com os diversos professores que tive. Na residência, as boas práticas de estudo foram preservadas e aprofundadas, sob a orientação de professores e ortopedistas incríveis, notáveis não apenas na prática cirúrgica, como também na vida acadêmica. Estou falando dos professores Cleber Pacolla, Maurício Kfuri e Fabricio Fogagnolo.

Naturalmente, minha ida aos EUA, à cidade de Pittsburgh, um dos principais centros de conhecimento em cirurgia do joelho do mundo, para fazer um research fellow, fez-me compreender com ainda mais clareza a importância de “estudar direito”. Tive a sorte de aprender com um dos grandes nomes da cirurgia do joelho no mundo, o professor Christopher Harner. Foi em Pittsburgh que tive certeza de que desejava seguir também pelo campo da pesquisa clínica.

O estágio Pittsburgh aumentou minha vontade de não perder-me em especulações frágeis e, na mesma proporção, meu compromisso com a ciência. Isso graças à oportunidade que tive de estabelecer contato com grandes estudiosos da matéria, que me traziam insights e inspiração para seguir buscando conhecimento de verdade.

Por isso, como já mostrei algumas vezes aqui no meu site, passei a ser também um produtor de conhecimento científico aplicado à Ortopedia e à cirurgia do joelho, mais especificamente. Tenho produzido artigos sobre meniscos, próteses, ligamentos e muito mais.

O grande trabalho de Aline

Apesar da inegável satisfação que sentimos ao produzir conhecimento, ajudar que outros profissionais de saúde comprometidos com a ciência também produzam conhecimento é igualmente ou até mais satisfatório.

O doutorado de Aline Miranda respondeu à seguinte pergunta: alguns fatores pré-operatórios são capazes de predizer os resultados funcionais de pacientes submetidos à cirurgia de prótese total do joelho (PTJ)?
O doutorado de Aline Miranda respondeu à seguinte pergunta: alguns fatores pré-operatórios são capazes de predizer os resultados funcionais de pacientes submetidos à cirurgia de prótese total do joelho (PTJ)?

Recentemente, vi, com enorme satisfação, uma grande amiga, colega de trabalho e de pesquisas, a fisioterapeuta Aline Miranda tornar-se doutora, defendendo uma tese — orientada pelo professor Kfuri —, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), sobre artroplastia.

Seu doutorado respondeu à seguinte pergunta: alguns fatores pré-operatórios são capazes de predizer os resultados funcionais de pacientes submetidos à cirurgia de prótese total do joelho (PTJ)? O objetivo do estudo foi avaliar se idade, índice de massa corpórea, dor, força muscular e a capacidade funcional, antes da cirurgia, poderiam impactar na função dos pacientes submetidos a PTJ após um ano de cirurgia.

Outras pesquisas a respeito do tema já tinham sido feitas antes, mas sempre usando apenas o questionário de autorrelato, que acaba restrito a um critério de natureza subjetiva: a opinião do paciente. Embora as informações proporcionadas pelos questionários tenham imenso valor, Aline percebeu que era possível conferir mais objetividade à resposta ao problema central de sua pesquisa. Assim, ela agregou, ao questionário, a análise de testes de desempenho físico, que segue padrões internacionais.

“Os principais resultados foram que pacientes com melhor capacidade física antes da cirurgia apresentaram melhores resultados nos questionários de autorrelato, ou seja, eles se perceberam com melhor função e também tiveram um desempenho melhor nos testes físicos. Desta forma, a estratégia de avaliação proposta pode ajudar no processo decisório, entre médico e paciente, quanto ao melhor momento para realizar a cirurgia, além de colaborar para um expectativa mais realista, após a cirurgia, e ajudar o fisioterapeuta no direcionamento das estratégias de reabilitação baseadas nas necessidades do paciente”, concluiu Aline.

A fisioterapeuta trabalhou com uma amostra considerável e consistente de pacientes e desenvolveu um criterioso e escrutinado trabalho de pesquisa, o que lhe valeu a publicação de um artigo sobre seu doutorado em uma das mais respeitadas revistas sobre cirurgia do joelho do mundo, a norte-americana The Journal of Knee Surgery. Como seu trabalho envolveu todos os membros do Grupo de Joelho e Trauma do Hospital das Clínicas da FMRP-USP, e eu faço parte do grupo, pude colaborar ativamente com Aline e também participar como coautor do artigo publicado na The Journal of Knee Surgery.

Mais alguns frutos do conhecimento científico

Além de Aline, os médicos Lucas Pallone e Murilo Martins — também do grupo de Joelho e Trauma do HCFMRP-USP —, sob orientação do professor Fabricio Fogagnolo, realizaram um estudo sobre trauma, que tratou da relação entre a fratura do quadril e a fratura da diáfise. O artigo resultante do estudo também foi publicado numa excelente revista chamada Injury.

Enfim, são algumas das ricas experiências da vida acadêmica e que espero experimentar ainda por muito tempo, como professor do Programa de Pós-Graduação da USP, uma oportunidade incrível que estou vivendo graças ao coordenador do programa, professor Marcelo Nogueira, e ao chefe do Departamento, professor Helton Defino.

Com orgulho, posso dizer que acompanho três médicos excepcionais, grandes parceiros, que, em breve, defenderão com sucesso — tenho certeza — suas teses de doutorado. Falo dos doutores Hugo Cobra, Alan Mozella e José Leonardo Rocha.

Vida longa à Ciência! E que eu possa desfrutar de muitos e muitos anos de aprendizado e amadurecimento como cientista.

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