É curioso pensar que deixar a função de médico assistente do HC de Ribeirão me traz uma sensação parecida com a que eu senti ao deixar a casa da minha mãe há quase 30 anos, porque é esse movimento que me permitirá, também, dedicar mais tempo a ela agora
Tenho dificuldade em dizer que algo seja definitivo. Não acredito. A vida muda o tempo todo. Até as experiências pelas quais já passamos, ao longo do tempo, mudam de sabor na memória. Neste mês de fevereiro de 2023, tomei uma decisão muito importante na vida: deixei a função de médico assistente no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). Eu sigo como professor da pós-graduação e médico pesquisador da universidade, mas deixar essa função não é pouca coisa para mim. São quase 20 anos de história nesse lugar de valiosos aprendizados.
Tenho dito, aos amigos, que sair do HC de Ribeirão é uma experiência que se compara a quando deixei a casa da minha mãe para estudar engenharia no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Não foi fácil, mas precisei tomar a decisão. Na época, precisava conquistar minha autonomia como ser humano. Agora, preciso fazer essa escolha porque o dia ficou muito curto para mim. Além da atuação no HC — Sistema Único de Saúde (SUS) — como médico assistente, tenho também as demandas de um consultório particular, como médico pesquisador da USP, como membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho (SBCJ), como pai, esposo (minha mulher, Adélia, tem estado comigo esse tempo todo) e como filho.
Em meio a tudo isso e, com certeza, não menos importante, tenho de encontrar tempo para cuidar de mim também e não estava conseguindo. Por isso, abri mão de ser médico assistente no HC de Ribeirão, mantendo-me na USP, porém — vale reforçar —, como professor da pós-graduação e médico pesquisador.
Desde o começo
Em 1998, tive meu primeiro contato com o HC. Eu era aluno da FMRP-USP. Havia um curso que se chamava “Iniciação à Saúde”, consistia numa visita ao hospital, já que, no começo da faculdade, normalmente, as matérias são básicas, os alunos ficam na faculdade e, na maior parte do tempo, na sala de aula. Mas houve essa visita ao hospital e, na ocasião, foi o professor de Cirurgia Vascular que nos apresentou o HC. Eu me lembro de ter aprontado uma traquinagem de moleque novo: no meio do tour, aproveitei uma porta aberta para escapar e ir, com alguns amigos, ao bar tomar uma cervejinha no Lago da USP.
No HC de Ribeirão, convivi e aprendi com muita gente, de diversas áreas. Funcionários de todos as áreas do hospital, circulantes de salas, técnicos de raio-x, fisioterapeutas, auxiliares de enfermagem, enfim, muitas pessoas generosas, que dividiram comigo seu conhecimento e suas experiências. Tive ainda a oportunidade de participar da formação de muitos residentes.
Essa foi a minha primeira visita ao hospital, mas, a partir desse momento, o HC passaria a fazer parte da minha rotina e eu não teria mais portas pelas quais evadir, porque a maior porta que temos na vida é a vontade e eu, sendo bem franco, gostava e desejava muito de estar nesse hospital. Estudei, no HC, durante boa parte da minha graduação, da minha residência em ortopedia e traumatologia e, depois da residência, prestei um concurso público, tornei-me, primeiramente, médico adido na instituição — por dois anos — e fui construindo uma história de 14 anos lá, como médico assistente, cargo do qual, no dia 1º de fevereiro, me despedi.
Nesse tempo, convivi e aprendi com muita gente, de diversas áreas. Funcionários de todos as áreas do hospital, circulantes de salas, técnicos de raio-x, fisioterapeutas, auxiliares de enfermagem, enfim, muitas pessoas generosas, que dividiram comigo seu conhecimento e suas experiências. Tive ainda a oportunidade de participar da formação de muitos residentes. A relação do médico assistente com os residentes do quarto ano é de amizade intensa, estamos falando de pessoas de todo o Brasil, o que me permite dizer que tenho amigos espalhados por todos os cantos deste país.
Convivi com professores incríveis, nomes consagrados da ortopedia e da cirurgia do joelho não só do Brasil. Posso citar os sempre lembrados por mim — e jamais será diferente, porque minha gratidão a eles é eterna: professor Cleber Paccola, que, infelizmente, nos deixou em 2011, às vésperas da minha ida para o intercâmbios na Universidade de Pittsburgh (Pitt), onde fiz parte do meu doutorado e para onde só consegui ir por pertencer ao grupo de joelho do HC. Também conheci, nessa experiência, o professor Maurício Kfuri, um dos cirurgiões de joelho mais respeitados do mundo, que, hoje, reside nos EUA e leciona em universidades norte-americanas e de todo o mundo.
Sem contar a minha convivência com o professor Fabricio Fogagnolo, meu chefe no HC e eterno amigo. Ele segue por lá, firme e forte, comandando um grupo de médicos incríveis, que, na minha ausência, seguirão fazendo o trabalho de excelência que caracteriza o grupo de joelho e trauma do HC de Ribeirão Preto.
Um “até logo“
Eu queria registrar essa história e, sobretudo, o amor que eu sinto pela instituição e pelas pessoas com as quais dividi uma vida. Mais do que isso, queria me despedir neste texto dizendo que essa saída não significa que eu não possa voltar, quero crer que deixo as portas abertas para, quem sabe, no futuro, abrir um novo ciclo nesse lugar que sempre estará comigo, para onde quer que eu vá e pelos melhores motivos possíveis.
É curioso pensar que, como escrevi no começo, deixar a função de médico assistente do HC me traz uma sensação parecida com a que eu senti ao deixar a casa da minha mãe há quase 30 anos, mas, ao mesmo tempo, é esse movimento que me permitirá dedicar mais tempo a ela, poderei visitá-la mais vezes e cuidar um pouco dela também, afinal, hoje, os papéis se inverteram.
Obrigado, Hospital das Clínicas da Faculdade de Ribeirão Preto da USP! Obrigado a todos os que dividiram comigo essa inesquecível jornada!
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